Quando cheguei no Cine Belas-Artes (justamente na semana em que anunciaram que esse patrimônio da cidade de São Paulo irá fechar as portas, infelizmente) naquela quinta-feira às 10h30 e me deparei com meia dúzia de gatos pingados, confesso que o sentimento que me assaltou não foi de entusiasmo. Mas, como sou uma pessoa livre de preconceitos, pelo menos assim tento ser, entrei com a fé e com a coragem para assistir ao documentário de Geórgia Guerra-Peixe, Um Samba que Mora em Mim.
O início da sessão já se mostrou repleto de particularidades, quando adentramos os seis na sala de cinema e pedimos diretamente ao projetista que “apertasse o play”. Cada qual foi para seu canto e sem os famosos trailers iniciais, o longa nos foi apresentado.
Antes de falar sobre o filme, preciso ressaltar que não tenho nenhuma característica que possa me associar ao samba. Não sou carioca, nem mulata, não sou passista e não faço parte de nenhuma comunidade. Mesmo assim, graças ao meu pai que sempre me apresentou o melhor da música brasileira, desde que me conheço por gente sou apaixonada pelo ritmo. Posso até dizer que, mesmo sendo branquela e uma típica paulistana, não me intimido ao ouvir um tamborim ou pandeiro. Acho até que eu consigo me virar.
O documentário segue como linha base a história de vida dos moradores do Morro da Mangueira, no Rio de Janeiro, intercalando com a biografia da própria escola de samba. Com exceção do começo, o filme todo é narrado pelos próprios personagens, sem a ajuda de offs ou informações adicionais através de legendas. O que realmente não é necessário.
Pessoas simples que conduzem o longa com maestria, inundando os espectadores de emoção e encantamento. Como é o caso do mestre de bateria da Mangueira. Um sujeito muito divertido e nem um pouco modesto. Em um momento, ele transmite a energia que usa pra conduzir o coração da escola de samba. No outro, emociona ao lembrar a morte do filho por tuberculose. Também conhecemos uma personagem e tanto! Uma senhora neta de escravos conhecida na comunidade por Vovó e que detesta carnaval. Uma mulher centenária que encanta pela sabedoria e diverte pelo gênio forte.
Geórgia Guerra-Peixe consegue comandar com maestria o documentário que em momento algum se torna piegas ou se rende a clichês. O filme não sucumbe ao tradicional tema do cinema nacional, apesar de ser ambientado em uma favela, de um Brasil pobre, que sofre com a violência e injustiças. Ao contrário, a alegria, não só do samba, mas principalmente dos personagens que trilham todo enredo, é transmitida do início ao fim, mostrando que sim, pessoas pobres, que convivem com a violência e a injustiça, podem ser felizes.
De negativo, aponto apenas o fato de um documentário que tem o samba como tema explorar tão pouco a trilha sonora. Em raras momentos, como quando uma criança interpreta o clássico “Hino de Exaltação à Mangueira”, que de fato é emocionante, a música é a atração principal. Inclusive, diversas vezes o samba é substituído por outros ritmos, como funk, pagode e música gospel, também muito populares na comunidade carioca.
Ao término do filme, recebemos da assessoria de imprensa (numa jogada de marketing muito bem elaborada, diga-se de passagem) uma caixa de fósforos com os seguintes dizeres: “A tradição não acaba. A tradição não pode acabar”. E como poderia? Se ao sair do cinema, em pleno centro de São Paulo, aqueles seis gatos pingados voltaram ao trabalho com um sorriso no rosto e um batuque na mão.
Totalmente excelente pequena
ResponderExcluirquando teremos um texto sobre o chatô hein?
então, Fe... Excelentes considerações... mas eu acho que o lance do "brasileiro que pode ser feliz na favela mesmo com todas as mazelas da sociedade" é justamente o clichê da imagem brazuca para exportação! rs
ResponderExcluirBeijo! Quero ler mais posts, hein!
Muito bom, Fer! Deu vontade de assistir. Vou continuar acompanhando suas dicas por aqui. Beijos.
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