quarta-feira, 11 de maio de 2011

Aprendendo a viver!


Algumas pessoas têm o dom da palavra. Outras sabem o segredo da felicidade. Poucas possuem ambas as qualidades. E raríssimas utilizam esses atributos para ensinar o próximo. Victor Hugo é uma dessas exceções. Alguém que deve ser reconhecido por seu talento, mas, principalmente, por sua generosidade.

Há cerca de oito, dez anos (não lembro exatamente a data, mas jamais esqueço a ocasião) fui apresentada ao poeta. Ou melhor, fui literalmente arrebatada por um de seus textos. Desejo é um dos melhores poemas que tive a oportunidade de ler. Simples, direto, encantador... simplesmente perfeito.

Indicado para todas as pessoas e momentos. Mas, especialmente, para àquelas que levantam já pensando na hora de deitar novamente. Para aqueles dias em que todas as situações que nos cercam não nos despertam qualquer sentimento além do cansaço. Para quem acredita que nada pode dar certo. Ou, simplesmente, para quem se sente só.

Poema não faz milagre, mas garanto por experiência própria (afinal, sou uma pessoa de carne, osso, coração e MUITOS hormônios) que palavras sábias ditas em momentos oportunos são o melhor remédio para reverter qualquer desânimo ou desalento, amargura ou rancor, tristeza ou angústia.

Aproveito para confessar um pecadinho. Sempre tive ciúmes desse poema. Engraçado, né? Como a gente pode se sentir “proprietário” de algo que nem de sua autoria é? A questão é que me identifico tanto com esse texto, acho tão singelo, tão verdadeiro, que, muitas vezes, sinto como se o Victor Hugo tivesse escrito só para mim. Mas, deixando meu egoísmo de lado (e meu ego também), partilho agora com vocês mais do que uma obra-prima da poesia, mas uma verdadeira lição de vida. Aproveitem e repartam com as outras pessoas. Dessa forma, mesmo sem o dom da palavra, pelo menos nos assemelhamos ao poeta na solidariedade.

Desejo (Victor Hugo)

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconsequentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar .

terça-feira, 3 de maio de 2011

Ficção x Realidade ou Ficção = Realidade?

Juro que queria fugir do clichê existente na comparação entre 1984 e Admirável Mundo Novo. Mas, é praticamente impossível. Quem lê as obras de George Orwell e Aldous Huxley, respectivamente, não consegue de forma alguma dissociar as duas histórias.

Apesar de escritos em épocas e lugares diferentes, as semelhanças são gritantes. Em um futuro distante, as pessoas se veem coagidas, repreendidas e alienadas. É claro que as maneiras em que isso acontece são diferentes, mas o conceito é praticamente o mesmo.

Em 1984, as pessoas eram prisioneiras do governo. Vigiadas noite e dia, eram obrigadas a reverenciar o Grande Irmão (líder supremo do partido), sem direito a luxos ou coisas muito mais simples, e por isso mesmo, mas importantes, como liberdades de escolha e pensamento.

Já em Admirável Mundo Novo, as pessoas, criadas em laboratório, eram condicionadas desde antes de seu nascimento a serem felizes. A viver de acordo com aquilo que lhes era apresentado, como se fosse a única possibilidade existente e aceitável. O governo acreditava que pessoas alienadas não entrariam em conflitos e, através da submissão, poderiam transformar o mundo em algo estável.

Enquanto os personagens de George Orwell sofrem com a repressão, os protagonistas de Admirável Mundo Novo vivem uma falsa impressão de liberdade. O que me faz perguntar: qual dessas situações seria a melhor (ou, menos pior)?

Por um lado, as pessoas retratadas por Aldous Huxley presenciam uma certa dose de felicidade. Mas, ao mesmo tempo, esse sentimento é algo imposto pelas autoridades, não é natural. E, sem saber, elas se satisfazem com seu cotidiano, com a rotina, com o status e a hierarquia. Ninguém valoriza as relações interpessoais ou o indivíduo em si. O importante é o coletivo. E, quando desanimado ou infeliz, o personagem é entregue ao “Soma”, uma droga que alivia qualquer sentimento de questionamento ou tristeza.

Em 1984, o sentimento de infelicidade é geral. As pessoas trabalham feito escravas e vivem uma ditadura da mais rigorosa. Não podem manter relacionamentos afetivos profundos e verdadeiros ou qualquer tipo de pensamento que contrarie os impostos pelo Grande Irmão. Os personagens são simples, vivem uma rotina árdua e não possuem livre arbítrio. Mas, apesar disso tudo, são pessoas conscientes de suas condições e sofrimentos.

E apesar de todas essas diferenças, os autores (mesmo há muito tempo atrás) conseguem ser atuais até os dias de hoje e atingem os mesmos objetivos. Orwell e Huxley questionam a influência do poder na vida de toda uma sociedade e, ao mesmo tempo, a falta de individualidade dos seres humanos.

1984 e Admirável Mundo Novo refletem o detrimento do indivíduo em “benefício” da comunidade. Mas, é válido pensar: será que os fins justificam os meios? Além disso, será mesmo que a organização e estabilidade refletem em sucesso e felicidade? Acho que George Orwell e Aldous Huxley publicaram seus livros (em 1949 e 1932, respectivamente) prevendo um futuro marcado pelo autoritarismo e repressão. É claro que, por serem ficções, as obras exageram e pontuam características peculiares um pouco além da “realidade” para chamar a atenção e prender o público. E, mesmo assim, são fortes, presentes e, posso até dizer, assustadoras, pois são próximas e factíveis.

Temo pela perda de civilidade dos seres humanos, que foi adquirida tão lentamente e aperfeiçoada geração por geração. Receio também que os instintos falem mais alto do que a consciência e que não haja mais solidariedade e respeito mútuos. Mas, ainda acredito nas pessoas e torço pra que esse tipo de ficção nunca se torne realidade.

Obs: Vale lembrar que a leitura de 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, são imprescindíveis para qualquer amante de literatura ou para aqueles que simplesmente desejam entretenimento eficaz e inteligente. Recomendo!